1. Entremos no pretório de Pilatos, convertido em
horrendo teatro de ignomínias e dores de Jesus, e consideremos quanto foi
injusto, ignominioso e cruel o suplício que aí sofreu o Salvador do mundo.
Vendo Pilatos que os judeus continuavam a bradar contra Jesus,
injustissimamente o condenou a ser flagelado: “Então Pilatos tomou a Jesus e
mandou açoitá-lo” (Jo 19,1). Pensou esse iníquo juiz que com esse bárbaro
tratamento despertaria a compaixão dos inimigos e o livraria da morte: “Eu o
mandarei punir e depois o soltarei” (Lc 23,22). Era a flagelação castigo
reservado só aos escravos. Nosso amoroso Redentor, diz S. Bernardo, não só quis
tomar a forma de escravo, sujeitando-se à vontade de outrem, mas a de um mau
escravo, para ser castigado com açoites e assim pagar a pena merecida pelo
homem feito escravo do pecado (Sem. de pass. Dm.). Ó Filho de Deus, ó grande
amante de minha alma, como pudestes vós, Senhor de infinita majestade, amar
tanto um objeto tão vil e ingrato como eu sou, submetendo-vos a tantas para
livrar-me do castigo merecido? Um Deus flagelado! Causa mais espanto um Deus sofrer
o mais insignificante golpe do que os homens todos e todos os anjos serem
destruídos e aniquilados. Ah, meu Jesus, perdoai-me as ofensas que vos fiz e
castigai-me então como vos aprouver. Uma só coisa desejo: é amar-vos e ser
amado por vós e declaro-me então pronto a sofrer todas as penas que quiserdes.
2. Chegado que foi ao pretório nosso amável
Salvador, segundo a revelação de S. Brígida (1. c., c. 70) ele mesmo se
despojou de suas vestes ao mando dos algozes, abraçou a coluna e entregou as
mãos para serem ligadas. Ó céus, já se dá início ao cruel tormento! Ó anjos do
céu, vinde assistir a este doloroso espetáculo e se não podeis livrar vosso Rei
desse bárbaro ultraje, que os homens lhe fazem, vinde ao menos chorar de
compaixão. E tu, minha alma, imagina-te presente a esta horrenda carnificina de
teu amado Redentor. Contempla como teu aflito Jesus está com a cabeça baixa,
olhando para a terra, e, todo confuso pela vergonha, espera por esse horrendo
tormento. E eis que os bárbaros, como outros tantos cães raivosos, arremetem
com seus açoites contra o inocente cordeiro. Ah! este bate-lhe no peito, aquele
fere-lhe os ombros; um fustiga-lhe as ilhargas, outro golpeia-lhe as pernas:
mesmo sua sagrada cabeça e sua bela face não ficam livres de pancadas. Já corre
o divino sangue de todas as partes: já estão embebidos de sangue os azorragues,
as mãos dos algozes, a coluna e a terra. “Todo o seu corpo é rasgado pelos
açoites: ora os ombros, ora as pernas, são atingidas; chagas acrescentam-se a
chagas e golpes a novos golpes” (De ch. ag. c. 14). Ah, cruéis, por quem o
tomais? Cessai, cessai, sabei que vos enganastes. Esse homem a quem supliciais
é inocente e santo: eu sou réu; a mim, que pequei, pertencem os açoites e os
tormentos. Mas vós, Eterno Pai, como podeis sofrer essa grande injustiça? Como
podeis suportar que vosso Filho querido assim padeça? E não o socorreis? Que
delito cometeu ele para merecer um castigo tão vergonhoso e tão cruel?